[Direito Tributário] Os tributos e a necessidade de atenção constante

Não é novidade para ninguém que os impactos econômicos causados pelo Covid-19 afetaram substancialmente as contas públicas, que já há algum tempo se encontravam em situação delicada como consequência das políticas econômicas equivocadas adotadas ao longo de anos.

 

Apesar de todo o esforço de marketing empreendido pelos entes públicos no sentido de apoiar as atividades empresariais como meio de preservação de empregos, fato é que, historicamente, a apuração de déficits nas contas públicas levam ao aumento da arrecadação de impostos.

 

Sob o aspecto eminentemente legal, exceção feita a alguns tributos, como o IPI e o IOF, o imediato aumento de carga tributária está descartado. Isto porque a Constituição Federal prevê que somente lei publicada há mais de noventa dias e no ano anterior ao aumento de tributo possibilita sua exigência.

 

Aliás, foi esse o motivo pelo qual o Governo do Estado de São Paulo editou leis extinguindo benefícios fiscais na área do ICMS neste último mês de outubro.

 

Essa impossibilidade legal, entretanto, não representa garantia plena. Vale lembrar a máxima segundo a qual, no mundo todo, o futuro é incerto, mas, no Brasil, o passado também o é!

E é exatamente por isso que os contribuintes devem permanecer alertas para prováveis investidas dos órgãos de fiscalização, sempre ávidos por receitas.

 

Nesse sentido, vale considerar as “incertezas do passado”.

 

A Exclusão do ICMS das Bases de Cálculo das Contribuições ao PIS e da COFINS

 

A primeira incerteza quanto ao passado diz respeito ao êxito alcançado por contribuintes.

 

Em 2017, foi muito comemorada a decisão do proferida nos autos do RE 574.706 que, em regime de repercussão geral (que surte efeitos para todos os contribuintes), reconheceu que o ICMS não integra as bases de cálculo das contribuições PIS e COFINS.

 

Em face dessa decisão, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) opôs embargos de declaração requerendo a modulação dos efeitos dessa decisão, ou seja, requerendo que o direito à exclusão do ICMS das mencionadas bases de cálculo somente passe a valer após o julgamento dos embargos (que não ocorreu até o presente momento).

 

Na prática, o acolhimento desse pedido de modulação dos efeitos da decisão impedirá que os contribuintes reclamem seu direito à devolução dos valores indevidamente pagos nos cinco anos anteriores.

 

Além disso, os embargos opostos pleiteiam ainda a determinação do valor do ICMS a ser abatido das bases de cálculo. A União sustenta que o valor a ser abatido não é o destacado nas notas fiscais, mas o efetivamente recolhido aos cofres estaduais a cada mês, ou seja, o ICMS destacado nas notas fiscais, diminuído do montante dos créditos desse mesmo imposto apropriados no mesmo período.

 

Como se percebe, além de procurar privar os contribuintes do direito de restituir o que pagaram indevidamente, a União ainda busca reduzir o valor a abater das bases de cálculo, buscando, por esse intermédio, esvaziar os efeitos econômicos da decisão.

 

Não bastasse, visando conservar o volume de arrecadação das contribuições, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou atos trazendo outras determinações envolvendo a apuração dessas contribuições que, provavelmente, resultarão em autuações em futuro próximo.

 

É neste contexto que passamos a comentar as incertezas quanto ao sucesso conquistado no passado.

 

  1. Qual o valor do ICMS a ser descontado das bases de cálculo das contribuições?

 

Como mencionado, no mês de outubro de 2017, a PGFN opôs embargos de declaração visando ao reconhecimento de que o valor do ICMS a ser descontado das bases de cálculo das contribuições é o efetivamente recolhido aos cofres públicos (após dedução dos créditos) e não o destacado nas notas fiscais.

 

Ocorre, porém, que em razão da grande quantidade de processos sobre o referido tema que começaram a transitar em julgado após a decisão do RE nº 574.706, a RFB entendeu por adotar medidas para fazer valer seu pleito, mesmo antes do julgamento dos mencionados embargos.

 

Nesse cenário, a RFB, em 18 de outubro de 2018, expediu a Solução de Consulta Interna nº 13 manifestando seu entendimento de que somente pode ser excluído das bases de cálculo das contribuições PIS/COFINS o ICMS efetivamente recolhido.

 

Em complemento, em 11 de outubro de 2019, foi editada a Instrução Normativa nº 1911 cujo inciso I do Parágrafo único do art. 27, prevê que, para o cumprimento de decisões judiciais transitadas em julgado, o montante do ICMS a ser excluídos das bases de cálculo das contribuições PIS/COFINS é o “valor mensal do ICMS a recolher”.

 

Assim, nos moldes dessas manifestações fazendárias, para o cálculo do valor a ser excluído, os contribuintes devem, a cada mês, realizar o confronto de débitos (ICMS destacado nas notas fiscais de vendas) e créditos (ICMS incidente sobre as aquisições de insumos) e, na hipótese dos débitos superarem os créditos, essa diferença é considerada “ICMS a recolher” passível de exclusão.

 

Portanto, com base nessas orientações, os agentes de fiscalização já dispõem de respaldo suficiente para lavrar autos de infração, exigindo dos contribuintes que excluem a totalidade do ICMS destacado nas notas fiscais, o recolhimento de diferenças de contribuições PIS/COFINS acrescidas de multas punitivas e juros, gerando um sem número de contendas nas esferas administrativa e também na judicial.

 

Mas a imprevisibilidade do passado que vivemos no Brasil não para por aí.

 

Como dito, os embargos de declaração opostos pela PGFN ainda pendem de julgamento.

 

E, nesse sentido, apesar de nos parecer remota, há possibilidade do STF acolher os argumentos da Fazenda e decidir que somente o “ICMS a recolher” é passível de exclusão.

 

Nessa hipótese, mesmo os contribuintes que, calcados em decisões judiciais transitadas em julgado (definitivas), deduzem das bases de cálculo das contribuições a totalidade do ICMS destacado nas notas fiscais, correm o risco da União ajuizar ações rescisórias para desconstituir tais decisões, de forma a possibilitar a exigência de diferenças no pagamento dessas contribuições.

 

Mesmo que essas eventuais ações rescisórias da União não alcancem êxito, obrigarão os contribuintes a travar novas contendas jurídicas visando à preservação de seus direitos.

 

  1. Como calcular os créditos das contribuições PIS/COFINS?

 

Outra sutil previsão trazida pela Instrução Normativa RFB nº 1911/2019 diz respeito ao cálculo dos créditos das contribuições PIS/COFINS passíveis de apropriação.

 

Antes de comentar especificamente a referida Instrução Normativa, cabe lembrar que, tanto a Lei nº 10637/2002 (que dispões acerca da Contribuição ao PIS não cumulativa) como a Lei nº 10833/2003 (que dispõe sobre a COFINS) preveem que os créditos devem ser calculados sobre o “valor” dos bens e serviços adquiridos pelo contribuinte.

 

Já a Instrução Normativa nº 404/2004, que regulava a não cumulatividade das contribuições PIS/COFINS e revogada pela Instrução Normativa nº 1911/2019, em seu art. 8º, § 3º, inciso II dispunha expressamente que o ICMS integra o valor de aquisição, ou seja, integra o valor sobre o qual os créditos devem ser calculados.

 

Por outro lado, o art. 167 da Instrução Normativa nº 1911/2019 atualmente em vigor, prevê que, para efeito de cálculo dos créditos, o “valor de aquisição” é integrado exclusivamente pelo IPI e pelo montante correspondente ao frete e seguro pagos pelo comprador.

 

Diante disso, não seria razoável imaginar que essa omissão tenha decorrido de mero equívoco ou esquecimento.

 

Ao contrário, a referida omissão do ICMS como integrante da base de cálculo dos créditos pressupõe que, aos olhos da RFB, se o valor do ICMS não integra as receitas do contribuinte para fins de cálculo das contribuições devidas, também não integra o “valor de aquisição” para fins de apuração dos créditos passíveis de apropriação.

 

Assim, a Instrução Normativa traz uma enorme contradição em prejuízo dos contribuintes, pois: (i) de um lado, permite que o contribuinte deduza da base de cálculo das contribuições devidas, tão somente o ICMS recolhido aos cofres públicos; e, (ii) de outro, deixa de considerar o ICMS integrante do preço de aquisição destacado nas notas fiscais (até porque, não tem o adquirente o conhecimento da parcela do ICMS destacado na nota fiscal efetivamente recolhido aos cofres públicos após a dedução dos créditos a que fazia jus).

 

Trata-se de mais um motivo para geração de contenciosos tributários administrativos e judiciais.

 

III.    Foi proferida decisão favorável ao contribuinte reconhecendo seu direito de compensar as contribuições indevidamente pagas nos últimos cinco anos. Em que momento esses créditos passíveis de compensação devem ser registrados como um ativo e oferecidos à tributação pelo IRPJ e CSLL?

 

Como sabido, em razão dos constantes adiamentos no pagamento de precatórios, a esmagadora maioria dos contribuintes opta por requerer judicialmente o direito de compensar o valor dos tributos indevidamente pagos.

 

Especificamente no caso da exclusão do ICMS das bases de cálculo das contribuições PIS/COFINS, em que foram impetrados mandados de segurança, sem estipulação prévia dos valores indevidamente pagos cuja compensação foi requerida, fica a dúvida quanto ao momento em que os ganhos decorrentes de decisão judicial irrecorrível devem ser reconhecidos.

 

Quanto a este particular, cabe lembrar que a RFB, por meio da Solução de Divergência nº 19/2003, manifestou-se no sentido de que o reconhecimento contábil e, por consequência, o oferecimento do valor cuja repetição foi assegurada por sentença à tributação pelo IRPJ e pela CSLL, devem ser realizados no período em que se verifica o trânsito em julgado da decisão judicial (momento em que a decisão torna-se definitiva).

 

Referida manifestação parte do pressuposto de que “a sentença que declara o direito à compensação se constitui em título líquido e certo, uma vez que declara a existência de créditos compensáveis e já define seu montante”.

 

Ocorre, porém, que a premissa que fundamenta essa manifestação fazendária não corresponde à realidade, especialmente no caso objeto destes comentários.

 

Com efeito, como mencionado, em sede de mandado de segurança não se discute os valores envolvidos, mas tão somente o pleiteia-se o direito de compensar um valor a ser quantificado em nível administrativo.

 

Em assim sendo, a sentença proferida não estabelece o direito de compensação de valor determinado, o que retira dela o caráter de liquidez e certeza.

 

De se notar que, após o trânsito em julgado de decisão favoráveis proferidas nos autos de mandados de segurança, caberá ao contribuinte calcular o montante que entende ter direito e compensar, apresentando um pedido de “Habilitação de Créditos” à RFB, para só então poder exercer seu direito de compensá-lo.

 

Cabe destacar que a homologação do referido pedido não implica em reconhecimento da liquidez do valor calculado pelo contribuinte. Essa homologação somente permite a compensação.

 

Homologada a habilitação aos créditos, o contribuinte deverá, ainda, apresentar os competentes pedidos de compensação (PER/DCOMP), ocasião em que a RFB avaliará a liquidez dos valores compensados, homologando ou não a compensação realizada.

 

Assim, diante de decisão favorável, somente após o cumprimento de todas as formalidades administrativas mencionadas é que os créditos do contribuinte podem ser considerados líquidos e certos e, por consequência, obrigatório seu registro contábil e oferecimento à tributação pelo IRPJ e CSLL.

 

Ademais, não bastassem todas essas obrigações administrativas, não se pode ignorar que ainda pende de decisão judicial a forma de cálculo do valor das contribuições PIS/COFINS – os embargos opostos pela PGFN, que sustentam que somente o ICMS devido é passível de dedução das bases de cálculo dessas contribuições, como dito, ainda pendem de julgamento.

 

Este é mais um aspecto que compromete a liquidez e certeza dos créditos a que os contribuintes fazem jus.

 

E a questão central volta à tona: em que momento os créditos das contribuições cujo pagamento indevido foi reconhecido por sentença transitada em julgado devem ser registrados e tributados?

 

Analisando-se a questão sob o aspecto legal tributário, não se pode perder de vista o disposto no art. 43 do Código Tributário Nacional, segundo o qual o Imposto de Renda tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda.

 

No caso específico das pessoas jurídicas, o reconhecimento da percepção de renda (ativo passível de compensação), tanto para efeito de tributação pelo IRPJ como pela CSLL, deve ser realizado em conformidade com normas contábeis atinentes à matéria.

 

Segundo determinado pela CPC 00, um ativo deve ser reconhecido quando for provável a fruição de seus benefícios econômicos futuros e seu valor “puder ser mensurado com confiabilidade”.

 

Diante dessa determinação, há que se admitir que o momento em que se impõe reconhecer o valor dos créditos passíveis de compensação em razão do reconhecimento judicial à compensação das contribuições indevidamente pagas, não é o do trânsito em julgado da decisão.

 

Adotando-se uma postura conservadora, o momento da contabilização e tributação de tais créditos é o da homologação da habilitação desses créditos.

 

Ademais, caso o pedido de habilitação contemple o valor das contribuições indevidamente pagas sobre a totalidade dos ICMS destacado nas notas fiscais (o que é repelido pela RFB), é juridicamente sustentável que o valor a ser contabilmente registrado corresponda tão somente ao montante das contribuições passíveis de compensação calculado sobre o ICMS recolhido aos cofres públicos – diante da pendência de julgamento dos embargos opostos pela PGFN, esse é o único valor que pode “ser mensurado com confiabilidade”, pois o restante pende de manifestação judicial.

 

Em que pesem os sólidos fundamentos para adoção desse procedimento, fato é que os contribuintes que não atuaram em conformidade com a Solução de Divergência COSIT nº 19/2003 – não reconheceram os valor integral da totalidade dos créditos pleiteados no período do trânsito em julgado das decisões – serão autuados, dando início a novos contenciosos.

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Roberto Cunha