[Direito Tributário] As alterações na tributação de doações e heranças

Após as festas de final de ano e retorno do recesso, voltam à baila as discussões em torno do aumento da carga tributária, supostamente apoiado nas necessidades de caixa do Estado para fazer frente às perdas de arrecadação e gastos adicionais resultantes da COVID-19.

Dentre essas discussões, cabe destaque ao aumento do ICMS incidente sobre insumos e equipamentos cirúrgicos, bem como de alguns medicamentos, levado a efeito por Decretos Estaduais publicados em 2020 e que, hoje, atolam o Poder Judiciário de processos questionando a legalidade e legitimidade de tais medidas.

Não há dúvidas de que tais medidas são paradoxais. Com efeito, ainda que se trate de insumos não destinados ao tratamento da pandemia, não se pode negar que aumentar a arrecadação à custa de aumento dos gastos dos cidadãos com a saúde privada, somente trará maior demanda pelos serviços públicos de saúde, com o consequente aumento de gastos nessa área.

Será que a conta de nossos administradores públicos vai fechar?

Mas, não é só!

No bojo dessas complexas equações, também voltam a ter destaque medidas mais antigas e ainda não colocadas em prática, porque pendentes de aprovação.

Esse é o caso do Imposto Sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos, o ITCMD.

Em abril de 2020, sob o nobre argumento de diminuição da concentração de renda no Brasil, foi proposto o Projeto de Lei (PL) nº 250 trazendo importantes alterações na legislação que rege a cobrança desse imposto, todas elas visando ao aumento expressivo da carga tributária.

Aumento de Alíquotas

No bojo dessas alterações, chama a atenção o estabelecimento de alíquotas progressivas, variáveis entre 4% e 8%, sobre o valor correspondente à herança ou à doação, a serem aplicadas na seguinte conformidade:

No caso de Herança

Base de Cálculo (Valor da Herança) Alíquota
Sobre a parcela igual ou inferior a 10.000 UFESP (no ano de 2021, até R$ 290.900,00) 0%
Sobre a parcela excedente de 10.000 UFESP até 30.000 UFESP (entre R$ 290.900,00 e R$ 872.700,00) 4%
Sobre a parcela excedente de 30.000 UFESP até 50.000 UFESP (entre R$ 872.700,00 e R$ 1.454.500,00) 5%
Sobre a parcela excedente de 50.000 UFESP até 70.000 UFESP (entre R$ 1.454.500,00 e R$ 2.036.300,00) 6%
Sobre a parcela excedente de 70.000 UFESP até 90.000 UFESP (entre R$ 2.036.300,00 e R$ 2.618.100,00) 7%
Sobre a parcela excedente de 90.000 UFESP (acima de R$ 2.618.100,00) 8%

No caso de Doação

Base de Cálculo (valor da Doação) Alíquota
Sobre a parcela igual ou inferior a 2.500 UFESP (no ano de 2021, até R$ 72.725,00) 0%
Sobre a parcela excedente de 2.500 UFESP até 15.000 UFESP (entre R$ 72.725,00 e R$ 436.350,00) 4%
Sobre a parcela excedente de 15000 UFESP até 50.000 UFESP (entre R$ 436.350,00 e R$ 1.454.500,00) 5%
Sobre a parcela excedente de 50.000 UFESP até 70.000 UFESP (entre R$ 1.454.500,00 e R$ 2.036.300,00) 6%
Sobre a parcela excedente de 70.000 UFESP até 90.000 UFESP (entre R$ 2.036.300,00 e R$ 2.618.100,00) 7%
Sobre a parcela excedente de 90.000 UFESP (acima de R$ 2.618.100,00) 8%

Nova Hipótese de Incidência

Outra modificação substancial em relação ao atual regramento, diz respeito aos planos de previdência complementar. A atual redação da lei, ao menos em princípio, não alcança os pagamentos realizados pelas entidades de previdência complementar (PGBL, VGBL e assemelhados) aos beneficiários, em caso de morte do titular.

Por força dessas alterações, a incidência do ITCMD sobre os referidos pagamentos fica implícita, além de ser atribuída às entidades de previdência a responsabilidade solidária com o beneficiário pelo pagamento do imposto.

Não há dúvidas no sentido de que tal previsão será objeto de inúmeros processos judiciais, tendo em vista a natureza securitária desses planos de previdência complementar (o beneficiário eleito pelo titular nada herda, os valores envolvidos são a ele, beneficiário, entregues a título de indenização pelo sinistro ocorrido, qual seja, a morte do titular).

Valor dos Bens Herdados ou Doados

É fato que as heranças e doações são transmissões de propriedade realizadas sem qualquer contraprestação, sendo, portanto, necessário que a lei estabeleça parâmetros para aferição do valor dos bens assim transmitidos.

Ocorre que, para esse fim, a lei deve estabelecer critérios razoáveis e próximos da realidade de mercado, evitando onerar ainda mais os herdeiros e donatários de bens, ou estabelecer formas de aferição unilateral que impliquem na necessidade de maiores discussões.

Todavia, essa simplicidade e neutralidade na aferição do valor dos bens não são observados pelas alterações propostas.

Com efeito, no caso de imóveis, está previsto que o valor de mercado “será divulgado pela Secretaria da Fazenda”. Enquanto não divulgado o referido valor, o contribuinte deverá adotar:

  1. no caso de imóvel rural, o valor divulgado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo ou outro órgão de reconhecida idoneidade; e,
  2. no caso de imóvel urbano, o valor utilizado pela autoridade municipal da localidade para cálculo do ITBI, ou, na sua falta o do IPTU.

Não bastasse estipular a adoção de valores fixados pelos próprios órgãos da Administração Pública, este PL prevê, ainda, que se esses valores “não corresponderem ao de mercado”, poderá ser instaurado procedimento administrativo para determinação da base de cálculo.

É de conhecimento geral que os valores estabelecidos pelos órgãos da Administração Pública, quando destinados a servir de base de cálculo de tributos, tendem a ser inflados.

Exemplo dessa afirmação é o Valor Venal de Referência (VVR) estipulado pela Prefeitura do Município de São Paulo para cálculo do ITBI.

Segundo se pode verificar dos processos em curso na Justiça Paulista, o VVR supera o preço de compra e venda dos imóveis, além do que chega a ser até 50% superior ao valor venal fixado para cobrança do IPTU, razões pelas quais sua adoção vem sendo rechaçada pelo Poder Judiciário.

Portanto, fica claro que o PL nº 250 pretende, na realidade, adotar os maiores valores possíveis, mesmo que exorbitantes e desvinculados da realidade do mercado, obrigando os contribuintes a buscarem tutela judicial para ver preservado seu patrimônio.

Tributação Alheia ao Bem Herdado ou Doado

Tal como previsto no art. 1.784 do Código Civil, a herança transmite-se imediatamente no momento da morte, independentemente da abertura de inventário. Em outras palavras, os bens deixados pelo falecido passam à propriedade de seus sucessores no exato momento da sua morte.

Diante dessa previsão legal, não há dúvidas no sentido de que todos os frutos e rendimentos produzidos pelos bens deixados, após a data da morte, não integram a herança – são de pronto pertencentes aos sucessores, embora ainda pendam da formalização da partilha para serem a eles entregues.

Não obstante, o PL nº 250 dá claros sinais de que se pretende tributar também esses valores, na medida em que revoga o dispositivo da legislação atual que exclui da incidência do ITCMD os frutos produzidos após a morte.

Em síntese, referida revogação intenta fazer o ITCMD ampliar a competência tributária do Estado, de forma a alcançar a renda auferida pelos sucessores, afigurando-se, nessa medida, inconstitucional.

Conclusão

Ainda que o PL nº 250 venha a ser aprovado neste ano de 2021, somente poderá ser exigido a partir de 1º de janeiro de 2022, razão pela qual ainda há tempo para planejar a sucessão, visando a não onerar tão pesadamente os sucessores.

Há que se considerar que, diante das alterações legais mencionadas, a falta de planejamento não só compromete a magnitude do legado, como poderá obrigar os sucessores a travar infindáveis discussões judiciais para afastar o apetite voraz do Estado.

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Roberto Cunha