[Direito Societário] Marco Legal das Startups (II)

 

Em outubro de 2020, escrevemos sobre a proposição do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 249/2020 (“PLP 249”) que estava sob análise da Câmara dos Deputados (https://corelaw.com.br/novo-projeto-de-lei-sobre-o-marco-legal-das-startups-e-do-empreendedorismo-inovador/). Tal proposição foi aprovada e encaminhada para o Senado Federal em 16 de dezembro de 2020 com alguns ajustes em sua redação.

 

Estamos entusiasmados com as possíveis mudanças, que representarão uma mudança importante para as startups, tendo em vista que, se for aprovado o texto atual, haverá possibilidade da startup, dentre outros benefícios:

 

  • receber recursos de empresas obrigadas a investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação, por meio de fundos patrimoniais e fundos de investimento em participações autorizados pela CVM;

 

  • oferecer seus serviços e produtos para teste pelo Poder Público por meio de licitações em modalidade especial na forma da lei; e

 

  • atuar em ambiente regulatório experimental para testar seus produtos (sandbox).

 

Apontamos abaixo os principais itens que estão atualmente sendo propostos, ainda em análise pelo Senado Federal.

 

Investidor-anjo

 

Foi implementada a definição de que o investidor-anjo, que não é sócio e não tem qualquer gerência ou direito a voto na administração, não responderá por qualquer obrigação da empresa, com exceção das hipóteses de dolo, fraude ou simulação, e será remunerado por seus aportes. Um investidor-anjo pode ser tanto uma pessoa física, pessoa jurídica ou fundo de investimento.

 

O retorno dos aportes realizados pelo investidor-anjo passa a ser de 7 anos (versus 5). Ainda, será possível pactuar remuneração periódica ou a conversão do aporte em participação societária.

 

O investidor-anjo terá a possibilidade de participação nas deliberações em caráter estritamente consultivo, conforme pactuação contratual, mas poderá exigir prestação de contas dos administradores e examinar os documentos contábeis da startup a qualquer momento.

 

Ambiente regulatório experimental (Sandbox regulatório)

 

O Projeto prevê a possibilidade das startups receberem autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais (sandbox regulatório).

 

O órgão ou a entidade reguladora irá definir previamente os critérios e limites para a seleção ou para a qualificação da empresa e o alcance, duração e normas para o funcionamento do programa de sandbox regulatório terá.

 

Enquadramento de Empresas Startup

 

As startups permanecem definidas como sendo organizações empresariais, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.

 

Para estarem enquadradas na lei, as startups deverão ter algum dos seguintes tipos societários: empresário individual, empresa individual de responsabilidade limitada, sociedades empresárias (como sociedades limitadas ou sociedades anônimas, por exemplo) e sociedades simples.

 

Ainda, para serem consideradas como startups, elas deverão: (i) ter faturamento bruto anual de até R$ 16.000.000,00 no ano-calendário anterior ou de R$ 1.333.334,00 multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a 12 meses, independentemente da forma societária adotada; (ii) ter até 10 anos de existência; e (iii) atender a um dos seguintes requisitos, no mínimo: (a) declaração, em seu ato constitutivo ou alterador, e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços; ou (b) enquadramento no regime especial Inova Simples, nos termos do disposto no art. 65-A da Lei Complementar nº 123, de 2006.

 

Aporte de Capital e Desconsideração da Personalidade Jurídica

 

O PLP 249 prevê diferentes formas de aporte nas startups, podendo ser realizado por pessoa física ou jurídica, que não integrará o capital social da empresa, quais sejam: (i) contrato de opção de subscrição de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e a empresa; (ii) contrato de opção de compra de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e os acionistas ou sócios da empresa; (iii) debênture conversível emitida pela empresa nos termos do disposto na Lei nº 6.404/1976; (iv) contrato de mútuo conversível em participação societária celebrado entre o investidor e a empresa; (v) estruturação de sociedade em conta de participação celebrada entre o investidor e a empresa; (vi) contrato de investimento-anjo na forma da Lei complementar nº 123, de 14.12.2006; (vii) outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor, pessoa física ou jurídica, não integre formalmente o quadro de sócios da startup e/ou não tenha subscrito qualquer participação representativa do capital social da empresa.

 

Importante notar que, enquanto não converter o instrumento do aporte em efetiva e formal participação societária, o investidor que aportar capital em uma das formas acima previstas não será considerado sócio nem possuirá direito à gerência ou a voto na administração da empresa (podendo participar nas deliberações apenas em caráter estritamente consultivo).

 

Em contrapartida, não responderá por qualquer dívida da startup, nem mesmo se ela entrar em recuperação judicial, sendo que não se aplica ao investidor a desconsideração da personalidade jurídica (salvo em casos de dolo, fraude ou simulação com envolvimento do investidor).

 

A desconsideração da personalidade jurídica ocorre quando uma empresa não possui recursos para pagamento de suas obrigações e um juiz determina que sejam então utilizados bens pessoais dos sócios para tal pagamento. A lei determina que essa medida só deve ser tomada em situações excepcionais, mas a prática demonstra que nem sempre é assim. Desta forma, o Projeto vem reforçar esse ponto a favor do investidor.

 

Menor carga tributária na venda da participação da Startup

 

No caso de investidor pessoa física, as perdas incorridas com os instrumentos de investimento descritos no item 4 acima poderão compor o custo de aquisição no momento da apuração e pagamento do imposto de renda sobre o ganho de capital quando da venda da participação societária.

 

Ou seja, se um investidor pessoa física celebra um contrato de mútuo conversível com uma Startup, tem perdas neste investimento, mas mesmo assim converte em quotas e vende tais quotas para terceiros; na apuração do imposto de renda sobre o ganho de capital devido em razão da venda ele poderá considerar as perdas que teve, reduzindo, assim, o montante de imposto a pagar.

 

Recursos de Fundos

 

Outro ponto importante que foi incluído é a possibilidade da startup receber recursos de empresas. Há diversas empresas que recebem benefícios fiscais e são obrigadas a realizar investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

 

Elas poderão cumprir seu compromisso de investimento nesses setores mediante investimento em startups, por meio de: (i) fundos patrimoniais destinados à inovação; e (ii) Fundos de Investimento em Participações (FIP) autorizados pela CVM, nas categorias de capital semente; empresas emergentes e empresas com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

 

Há uma ressalva, no entanto, de que o acima não se aplica aos percentuais mínimos legais ou contratuais estabelecidos para serem aportados em fundos públicos.

 

Para a startup, trata-se de mais uma fonte interessante de captação de recursos.

 

Licitações

 

Está sendo proposto, ainda, que a administração pública possa contratar pessoas físicas ou jurídicas, isoladamente ou em consórcio, para o teste de soluções inovadoras por elas desenvolvidas ou a serem desenvolvidas, com ou sem risco tecnológico, por meio de licitação em modalidade especial de acordo com este Projeto de Lei.

 

Após a homologação do resultado da licitação a administração pública celebrará o denominado Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI) com a startup com vigência máxima de 12 meses prorrogáveis por mais 12 meses, e com valor máximo de R$ 1,6MM.

 

Após o término do CPSI, a administração pública poderá celebrar contrato de fornecimento com a startup com vigência máxima de 24 meses prorrogáveis por mais 14 meses, e com valor máximo de 5x R$ 1,6MM.

 

Opções de Subscrição de Ações (Stock Options)

 

Um item relevante que foi implementado pela Câmara dos Deputados que não existia na primeira versão do Projeto é a possibilidade dos participantes de uma startup obterem a chamada opção de compra de ações (stock options).

 

Dessa forma, o colaborador de uma startup terá a expectativa de receber um ganho em razão o aumento do preço das quotas ou ações da empresa no futuro.

 

Nós já havíamos comentado em nosso artigo anterior sobre a importância deste tema ser incluído no Projeto, haja vista que se trata de uma realidade de diversas startups. Para conseguirem atrair profissionais qualificados com uma compensação que caiba no caixa da empresa, opções de compra são oferecidas com frequência.

 

A grande questão sobre esse tópico são as discussões de natureza trabalhista e tributária que pairam sobre o tema. O Projeto endereçou essas questões ao definir que na outorga de opção de compra nos termos do artigo 168, parágrafo 3º da Lei das S/A, será considerada remuneração do colaborador o valor justo (atribuído conforme as normas contábeis). Nenhum outro benefício decorrente do exercício de tal opção será tratado como remuneração. E mais, a remuneração será considerada paga, devida e creditada no momento do exercício (e não outorga) da opção.

 

Explicamos melhor abaixo:

 

Dia 1

Assinatura da Opção de Compra

12 Meses

Vesting de ½

Colab. tem direito a 100 ações com preço de exercício de R$ 10,00 (preço PL = R$ 12,00)

24 meses

Vesting de ½

Colab. tem direito a 200 ações com preço de exercício de R$ 10,00 (preço PL = R$ 15,00)

Exercício das Opções

Colab. adquire 300 ações e paga R$ 300,00

SOMENTE AQUI INCIDIRÁ IMPOSTO S/ REMUNERAÇÃO

S/ O VALOR DE R$ 300,00

Obs.: Se o Colaborador vier a vender suas ações (após exercício da opção), então ele apurará imposto de renda sobre o ganho de capital sobre a diferença entre o preço de venda e os R$ 300,00.

Alterações na Lei das S/A e Lei Complementar 123/2006

Por fim, além dos tópicos acima, o Projeto de Lei em tramitação no Senado manteve as mesmas alterações sugeridas para a Lei das S.A. e para a Lei Complementar 123/2006 que havíamos apontado em nosso texto anterior.

Manteremos vocês informados sobre novidades com relação a esse tema.

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Roberto Cunha