O Airbnb e a recente e polêmica decisão do Superior Tribunal de Justiça: impossibilidade de locação por plataformas digitais em apartamentos?

ENTENDA O FUNCIONAMENTO DO AIRBNB

A plataforma de serviços voltada ao aluguel de imóveis ao redor do mundo todo, conhecida como Airbnb, faz sucesso há um tempo e apresenta diversas vantagens para aqueles que se interessam pelo assunto.

 

O serviço permite que pessoas disponibilizem seu imóvel no site do Airbnb, podendo ser usado também através do aplicativo, e usuários do mundo todo podem buscar acomodações por um baixo custo, em comparação com o mercado, além de realizar buscas mais personalizadas conforme seus objetivos. Dentre as vantagens estaria um aluguel mais rápido e fácil, com menos burocracias e um preço mais em conta. Ademais, há possibilidade de realizar buscas mais filtradas conforme as preferências do usuário, podendo escolher o imóvel a ser alugado com base no preço, localização, datas disponíveis dentre outras opções.

 

A forma com que a plataforma funciona permite que os proprietários de imóveis façam uma descrição detalhada, acompanhada por fotos, com as especificidades da locação, da localização e, ainda há a possibilidade de outros usuários fazerem recomendações através das avaliações, o que facilita na escolha do imóvel ideal, com base nas experiências de outros locatários.

 

RECENTE (E POLÊMICO) ENTENDIMENTO DO STJ SOBRE LOCAÇÃO DE IMÓVEIS RESIDENCIAIS PELO AIRBNB

 

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça fomentou discussões acerca do aluguel por temporada e por baixo período em condomínios com predominância de unidades residenciais. A decisão da 4ª Turma do STJ, proferida no REsp 1.819.075/RS, negou provimento ao agravo de instrumento, mantendo decisão do TJRS, autorizando a vedação da oferta de imóveis por meio de plataforma digital, como o Airbnb.

 

Dentre os argumentos da decisão, o de maior destaque foi o fato de que esse tipo de locação caracterizaria atividade comercial, evento contrário à determinação das regras do condomínio, havendo o desvirtuamento do fim da unidade, que seria especificamente residencial. Conforme voto do Ministro Raul Araújo, o contrato de locação nesses casos seria o mesmo que um contrato atípico de hospedagem, não mais configurando o aluguel por temporada, o qual seria permitido. O Ministro destacou ao seu voto, que a exploração dessa atividade de alta rotatividade, causa perturbação à rotina do espaço residencial e insegurança aos demais condôminos.

 

A Ministra Isabel Gallotti, aduziu que “realmente, não se trata de uma destinação meramente residencial. Foge, portanto, ao permitido na convenção de condomínio, a qual estão vinculados todos os condôminos” e em complemento a tal entendimento ficou a fala de Raul Araújo, que entendeu que “a aplicação do Direito exige bom senso e equilíbrio, levando em conta que acomodação legislativa sobre o tema ainda levará algum tempo. A solução nos parece ser a previsão da proibição de hospedagem pela natureza do condomínio, definida na convenção. O condomínio estritamente residencial não se amolda a esse tipo de hospedagem”.

 

Desse modo, os Ministros entenderam que o imóvel se desvincula de uma unidade residencial na medida que seria predominantemente marcado por eventualidades e transitoriedade, características que não são compatíveis com imóveis residenciais. Salientou-se ainda que aluguéis dessa natureza, feitos através de plataformas digitais, seriam demasiadamente informais e disponíveis por poucos períodos, aumentando expressivamente a rotatividade de pessoas dentro do condomínio.

 

A decisão que negou provimento, com votos favoráveis de 3 ministros em contraponto ao voto do Min. Felipe Salomão, destacou ainda que uma locação realizada dessa forma, por aumentar o fluxo de pessoas estranhas dentro do condomínio, poderia comprometer a própria segurança de outras residências, com a circulação de desconhecidos nas áreas comuns do prédio, gerando ainda desconfortos em outros moradores.

 

Contudo, o STJ procurou deixar claro que a questão é discutível, tendo em vista as lacunas na letra da lei sobre o tema, cabendo ao Poder Legislativo regulamentar de forma mais específica tal situação. “Será necessária intervenção do legislador para transformar esse tipo de contrato que é realidade em contrato típico, dando mais condições de segurança a quem se dedica a esse tipo de negócio que tem, a meu ver, intuito claro de lucro”, segundo posicionamento de Isabela Gallotti. Destacou-se ainda na decisão que o entendimento da Turma não seria referente a aluguéis pelo Airbnb de forma geral, havendo a permissão para que modelos de locação como esse possam ocorrer livremente em outros casos e que a discussão no REsp 1.819.075/RS é isolada diante de uma determinada situação.

 

O TJSP, em também decisão de agravo de instrumento, destacou que eventuais proibições quanto à destinação das unidades precisam estar previstas necessariamente na convenção de condomínio, com base no artigo 1.332, III, do CC. Veda-se nesse sentido a possibilidade de haver apenas decisão dessa natureza por uma deliberação assemblear.

 

O artigo acima mencionado do Código Civil é claro ao determinar que a convenção de condomínio terá competência para versar sobre o fim a que as unidades se destinam, matéria que engloba assuntos relacionados a locações, sejam estas por temporada ou não. Ademais, a convenção de condomínio é ato normativo que determina direitos e deveres dos condôminos entre si e perante terceiros, de modo que qualquer matéria que se insere em tais determinações precisará constar na convenção ou esta terá que ser alterada, respeitando o quórum determinado em lei.

 

O direito de propriedade por estar sendo diretamente restringido, terá que ser abordado na convenção de forma clara, expressa e regulamentado conforme as necessidades dos condôminos, o modo com que locações poderão ocorrer e se será permitido o uso de plataformas digitais para isso.

 

ENTENDIMENTOS FAVORÁVEIS À LOCAÇÃO DE UNIDADES RESIDENCIAIS PELO AIRBNB 

 

Conforme já mencionado anteriormente, o Ministro Felipe Salmão, no mesmo julgado do STJ, apresentou entendimento diverso e invocou ainda jurisprudência do Tribunal do Estado de São Paulo. Conforme seu relato, a economia gerada por contratos de locação traz diversos avanços para a sociedade contemporânea, com maior destaque ainda para famílias que dependem de rendas alternativas como essa para sustento e como solução de problemas financeiros.

 

Nesse sentido, haveria maior empoderamento financeiro dos proprietários que se utilizam de ferramentas como o Airbnb para realizar suas locações, diante da vantagem que as plataformas digitais trariam ao proporcionar maior divulgação do negócio, controle dos participantes com base nos usuários cadastrados, possibilidade de conexão entre pessoas de diferentes localidades, entre outras vantagens que facilitam negócios locatícios, principalmente para aqueles de dependem de rendas como essas.

 

Foi reconhecida na decisão do Tribunal que não seria possível manter uma proibição absoluta em casos similares, apenas com base no argumento do desvio da finalidade da unidade residencial, tendo em vista que a mera destinação econômica de determinado apartamento não seria suficiente para caracterizar uma atividade comercial.

 

A jurisprudência do TJSP, mencionada pelo Ministro do STJ, teve decisão favorável, ao entender que a utilização da unidade para fins de curta temporada não se caracterizaria automaticamente como atividade comercial, tendo em vista que para isso o locador precisaria se dedicar profissional e exclusivamente a essa atividade.

 

Interessante ainda mencionar que o TJSP afirmou que a diferença no período de tempo entre locação por temporada ou estendida, não apresentariam divergências significativas, pois ambas auxiliam no rendimento do locador, sem que ocorra desvinculação da finalidade residencial da unidade autônoma.

 

O Tribunal do Estado de Santa Catarina, pelo recurso de nº 0300652-89.2015.8.24.0125, em consonância à decisão do TJSP, teve o entendimento que a vedação da locação por temporada seria uma ofensa ao direito de propriedade. Foi salientado ainda que eventuais abusos de direito, tanto pelo locatário como pelo locador, são passíveis de apreciação pelo judiciário na medida que ocorram.

 

Há possibilidade de invocação de diversos institutos do ordenamento jurídico brasileiro, citados também na decisão do TJSP e TJSC, por exemplo, como o direito de propriedade, preconizado no artigo 5º, inciso XXII da Constituição Federal. Em matéria específica ao tema, o Código Civil determina que o proprietário possui a faculdade de “usar, gozar e dispor” do seu bem, nesse caso o imóvel para locação, conforme artigo 1.228.

 

Em consonância com este último mencionado está o artigo 1.335, do mesmo diploma, assegurando a liberdade do condômino de “usar, fruir e livremente dispor das suas unidades”. Outrossim, há previsão novamente da liberdade do proprietário no artigo 1.314, do CC, ao permitir o uso livre do imóvel conforme sua destinação. Seguindo o entendimento do TJSP, ainda que houvesse locação por plataformas digitais, a destinação residencial se manteria, não ocorrendo afronta a determinação legal e a convenção de condomínio.

 

O jurista Sylvio Capanema, em “Lei do Inquilinato Comentada Artigo por Artigo”, considerou que nos casos em que há contratos de hospedagem, haveria a conjunção de diversos outro serviços como “lavanderia, arrumação de quartos, restaurantes, central de recados, sala de jogos” entre outros, o que teria, necessariamente para contratos dessa natureza, a convergência de “dois contratos típicos, um de locação de coisa, e outro de prestação de serviços, a gerar um terceiro, que não se subordina à legislação inquilinatícia” (Sylvio Capanema, In “A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo”, 8ª ed., p. 17).

 

Concluindo o tema, necessário salientar que muito ainda será discutido, gerando diversos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, até que uma regulamentação mais específica seja criada e possa sanar eventuais inseguranças jurídicas.

 

Importante citar também que muitas decisões feitas com base em casos determinados, deverão ser analisadas isoladamente, de modo a não comprometer outras situações que podem ter apenas alguns elementos semelhantes.

 

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Roberto Cunha