Novo capítulo de uma história antiga

Com amplamente divulgado pela imprensa, no último dia 13 de maio, o Supremo Tribunal Federal julgou os embargos de declaração em que se discutia a inclusão do ICMS nas bases de cálculo das Contribuições ao PIS e da COFINS.

 

Como deve ser do conhecimento de todos, em 2017, foi muito comemorada a decisão do proferida nos autos do RE 574.706 que, em regime de repercussão geral (que surte efeitos para todos os contribuintes), reconheceu que o ICMS não integra as bases de cálculo das contribuições PIS e COFINS.

 

Em face dessa decisão, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) opôs embargos de declaração requerendo a modulação dos efeitos dessa decisão, ou seja, requerendo que o direito à exclusão do ICMS das mencionadas bases de cálculo somente passasse a valer após o julgamento dos embargos.

 

Além disso, os embargos opostos pleiteavam ainda a determinação do valor do ICMS a ser abatido das bases de cálculo. A União sustentava que o valor a ser abatido não é o destacado nas notas fiscais, mas o efetivamente recolhido aos cofres estaduais a cada mês, ou seja, o ICMS destacado nas notas fiscais, diminuído do montante dos créditos desse mesmo imposto apropriados no mesmo período

 

Como se percebe, além de procurar privar os contribuintes do direito de restituir o que pagaram indevidamente ao longo de muitos anos, a União ainda buscava reduzir o valor a abater das bases de cálculo, de forma a anular os efeitos econômicos da decisão.

 

O acolhimento desses embargos nos exatos termos do pedido da União representaria para os contribuintes o que vulgarmente se denomina “ganha, mas não leva”.

 

Todavia, a decisão desses embargos frustrou parcialmente o intento da União, na medida em que reafirmou o que já estava suficientemente claro, no sentido de que o ICMS a ser abatido das referidas bases de cálculo é aquele destacado nas notas fiscais de venda, ou seja, no sentido de que é todo o ICMS integrante do preço de venda que não representa receita do contribuinte.

 

Em relação à modulação dos efeitos da decisão, embora a União não tenha alcançado exatamente o que pretendia – não ter nada a restituir aos contribuintes – ainda assim conquistou sensível vantagem financeira.

 

Assim é, porque ficou decidido que os contribuintes têm o direito de reaver os valores indevidamente pagos a partir de 15 de março de 2017 (data em que proferida a decisão nos autos do RE 574.706), exceto para os contribuintes que iniciaram a discussão judicial dessa exigência antes dessa data.

 

Nesse cenário, podemos dar por encerradas todas as discussões em torno do tema?

Não é bem assim.

 

Quando se trata de tributos, não podemos raciocinar como no futebol. Nos tributos, um placar positivo no tempo regulamentar nem sempre é suficiente para assegurar a conquista dos pontos no campeonato.

 

Diante dessa vitória, é imperativo que permaneçamos alertas em relação a algumas particularidades.

 

I – Contribuintes Amparados por Decisões Definitivas

 

Há casos de contribuintes que ingressaram como medidas judiciais após 15 de março de 2017 e obtiveram decisões favoráveis que transitaram em julgado, ou seja, decisões favoráveis das quais não cabiam mais recursos por parte da União.

 

Com base nessas decisões, esses contribuintes compensaram os valores indevidamente pagos nos anos que antecederam a data de ingresso de suas medidas judiciais e, provavelmente, já compensaram os valores correspondentes nos termos da lei.

 

Como visto, o direito de recuperação dos valores indevidamente pagos está assegurado tão somente a partir de 15 de março de 2017.

 

Assim, contribuintes cujas decisões que lhes garantiram a recuperação do indébito de período anterior tenham transitado em julgado a menos de dois anos, podem ter de devolver os valores recuperados recolhidos antes da referida data (15 de março de 2017).

Isto porque, a União pode ingressar com ações rescisórias para anular os efeitos dessas decisões, com base no quanto determinado pelo STF nos autos dos embargos objeto deste comentário.

 

II – Como calcular os créditos das contribuições PIS/COFINS?

 

Já tivemos a oportunidade no passado de falar a respeito da Instrução Normativa RFB nº 1911/2019 que diz respeito ao cálculo dos créditos das contribuições PIS/COFINS passíveis de apropriação.

 

Antes de comentar especificamente a referida Instrução Normativa, cabe lembrar que, tanto a Lei nº 10637/2002 (que dispões acerca da Contribuição ao PIS não cumulativa) como a Lei nº 10833/2003 (que dispõe sobre a COFINS) preveem que os créditos devem ser calculados sobre o “valor” dos bens e serviços adquiridos pelo contribuinte.

 

Já a Instrução Normativa nº 404/2004, que regulava a não cumulatividade das contribuições PIS/COFINS e revogada pela Instrução Normativa nº 1911/2019, em seu art. 8º, § 3º, inciso II dispunha expressamente que o ICMS integra o valor de aquisição, ou seja, integra o valor sobre o qual os créditos devem ser calculados.

 

Por outro lado, o art. 167 da Instrução Normativa nº 1911/2019 atualmente em vigor, prevê que, para efeito de cálculo dos créditos, o “valor de aquisição” é integrado exclusivamente pelo IPI e pelo montante correspondente ao frete e seguro pagos pelo comprador.

 

Tendo isso em vista, resta claro que se o valor do ICMS não integra as receitas do contribuinte para fins de cálculo das contribuições devidas, também não integra o “valor de aquisição” para fins de apuração dos créditos passíveis de apropriação.

 

Assim, é seguro afirmar que a Receita Federal, diante do quanto decidido nos autos dos embargos de declaração ora comentados e do disposto na Instrução Normativa nº 1911/2019, passará a questionar eventuais créditos de PIS e da COFINS calculados com base no valor de aquisição dos produtos sem a dedução do ICMS correspondente.

 

III – Decisão Permitindo a Compensação das Contribuições Indevidamente Pagas e Momento do Reconhecimento Contábil Desse Direito

 

Inúmeros contribuintes ingressaram com medidas judiciais requerendo a exclusão do ICMS das bases de cálculo das contribuições PIS/COFINS, bem como a compensação do quanto pago indevidamente no passado, após 15 de março de 2017 e tiveram o curso de seus processos paralisado até a decisão dos embargos.

 

Por esse motivo, a partir de agora, esses processos retomarão seu curso regular e, por força do quanto decidido nos embargo objeto destes comentários, serão julgados procedentes, garantindo a esses contribuintes o direito à compensação dos valores indevidamente pagos a partir de abril de 2017.

 

Todavia, a grande maioria, desses contribuintes optaram por ingressar com mandados de segurança no bojo dos quais não estipularam ou colocaram em discussão o exato valor passível de compensação.

 

Quanto a este particular, cabe lembrar que a RFB, por meio da Solução de Divergência nº 19/2003, manifestou-se no sentido de que o reconhecimento contábil e, por consequência, o oferecimento pelo IRPJ e pela CSLL, do valor cuja repetição foi assegurada por sentença, devem ser realizados no período em que se verifica o trânsito em julgado da decisão judicial (momento em que não cabe mais recurso da decisão).

 

Referida manifestação parte do pressuposto de que “a sentença que declara o direito à compensação se constitui em título líquido e certo, uma vez que declara a existência de créditos compensáveis e já define seu montante”.

 

Ocorre, porém, que a premissa que fundamenta essa manifestação fazendária não corresponde à realidade, especialmente no caso objeto destes comentários.

 

Com efeito, como mencionado, em sede de mandado de segurança não se discute os valores envolvidos, mas tão somente o pleiteia-se o direito de compensar um valor a ser quantificado em nível administrativo.

 

Em assim sendo, a sentença proferida não estabelece o direito de compensação de valor determinado, o que retira dela o caráter de liquidez e certeza.

 

De se notar que, após o trânsito em julgado de decisão favoráveis proferidas nos autos de mandados de segurança, caberá ao contribuinte calcular o montante que entende ter direito e compensar, apresentando um pedido de “Habilitação de Créditos” à RFB, para só então poder exercer seu direito de compensá-lo.

 

Assim, diante de decisão favorável, somente após o cumprimento dessa formalidade administrativa é que os créditos do contribuinte podem ser considerados líquidos e certos e, por consequência, obrigatório seu registro contábil e oferecimento à tributação pelo IRPJ e CSLL.

 

E a questão central volta à tona: em que momento os créditos das contribuições cujo pagamento indevido foi reconhecido por sentença transitada em julgado devem ser registrados e tributados?

 

Analisando-se a questão sob o aspecto legal tributário, não se pode perder de vista o disposto no art. 43 do Código Tributário Nacional, segundo o qual o Imposto de Renda tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda.

 

No caso específico das pessoas jurídicas, o reconhecimento da percepção de renda (ativo passível de compensação), tanto para efeito de tributação pelo IRPJ como pela CSLL, deve ser realizado em conformidade com normas contábeis atinentes à matéria.

 

Segundo determinado pela CPC 00, um ativo deve ser reconhecido quando for provável a fruição de seus benefícios econômicos futuros e seu valor “puder ser mensurado com confiabilidade”.

 

Diante dessa determinação, há que se admitir que o momento em que se impõe reconhecer o valor dos créditos passíveis de compensação em razão do reconhecimento judicial à compensação das contribuições indevidamente pagas, não é o do trânsito em julgado da decisão.

 

Adotando-se uma postura conservadora, o momento da contabilização e tributação de tais créditos é o da homologação da habilitação desses créditos.

 

Em que pesem os sólidos fundamentos para adoção desse procedimento, fato é que os contribuintes que não atuarem em conformidade com a Solução de Divergência COSIT nº 19/2003 – não reconhecerem os valor integral da totalidade dos créditos pleiteados no período do trânsito em julgado das decisões – serão autuados, dando início a novos contenciosos.

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Roberto Cunha