Nova lei de ambiente de negócios [14.195/21]

O Presidente da República converteu a MP 1.040 em lei e sancionou a Lei 14.195/21, publicada no Diário Oficial da União em 27 de agosto de 2021 (“Lei de Ambiente de Negócios”), para dispor sobre a facilitação para abertura de empresas, a proteção de acionistas minoritários, a facilitação do comércio exterior, o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (Sira), as cobranças realizadas pelos conselhos profissionais, a profissão de tradutor e intérprete público, a obtenção de eletricidade, a desburocratização societária e de atos processuais e a prescrição intercorrente.

Em análise ao texto publicado, trouxemos os principais temas de impacto no direito societário, conforme abaixo:

1 – DA FACILITAÇÃO PARA ABERTURA DE EMPRESAS

Buscando melhorar o ambiente de negócios no Brasil, a nova Lei definiu:

a) Emissão Gratuita de Fichas Cadastrais e transparência acerca de documentos necessários

Muito embora pareça um tema defasado, muitas Juntas Comerciais cobram taxas para que o empresário possa ter acesso a Ficha Cadastral com os dados constitutivos e básicos da sua empresa. Com o sancionamento da Lei de Ambiente de Negócios, tais Fichas Cadastrais deverão ser mantidas de forma gratuita à disposição dos usuários.

Outro ponto relevante é que os procedimentos e orientações para constituição, alteração, baixa, obtenção de licenças e alvarás de funcionamento, devem estar disponíveis no site para o público em geral, de forma a fornecer ao usuário clareza quanto à documentação exigível e reduzir o número de exigências nesses processos.

Atualmente o órgão público pode exigir um novo documento a cada apresentação e o cidadão fica totalmente à mercê da discricionariedade do órgão para ter sua licença concedida ou registro realizado.

b) Emissão Automática de Licenças e Alvarás de Funcionamento:

A Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.784/19) já previa a liberação automática para empresas com atividades econômicas consideradas de baixo risco, e com o sancionamento da Lei de Ambiente de Negócios, as empresas com atividades econômicas consideradas de médio risco também terão suas licenças e alvarás de funcionamento liberados automaticamente, isto é, logo após o registro do ato societário.

Note que tal liberação não obstará a fiscalização distrital, estadual ou municipal de analisar e, se for o caso, cassar a inscrição, sob responsabilidade pessoal do sócio ou administrador que assinou o termo de responsabilidade pela liberação automática do alvará ou licença.

A classificação de atividades de baixo, médio e alto risco é feita pelo CGSIM (Comitê para Gestão da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios) e é regulamentada pela Resolução CGSIM nº 62/2020.

c) Dispensa do reconhecimento de firma em atos arquivados na Junta Comercial:

Os atos levados a registro nas Juntas Comerciais serão dispensados de reconhecimento de firma, sendo que será solicitada a comprovação da assinatura somente nos atos de constituição, eleição e alteração de membros, ocasião em que a cópia autenticada do documento de identidade suprirá a exigência. Na prática, a apresentação de cópia autenticada de documento já era aceita pelas Juntas Comerciais.

As disposições contidas nos itens a, b e c supra deverão ser adequadas pelos órgãos competentes no prazo de 60 dias da publicação da Lei de Ambiente de Negócios.

2 – DA PROTEÇÃO DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS E OUTRAS ALTERAÇÕES NA LEI DAS S/A

É nítido que a Lei 6.404/76 (“Lei das S/A”) foi o ponto principal para fomentar o projeto de Ambiente de Negócios, por isso a Lei de Ambiente de Negócios trouxe importantes alterações na Lei das S/A, destacando-se a constituição das Ações Ordinárias com voto plural, como melhor descrevemos abaixo:

a) Voto Plural ou “Super Voto”

Conceito: classe de ações ordinárias com poder de voto superior às demais. Pode ter um peso de até 10 votos a mais, com caráter personalíssimo, ou seja, a pluralidade do voto não pode ser vendida ou transferida a terceiros.

Denominado como “Voto Plural” na Lei de Ambiente de Negócios, também está sendo conhecido como “Super Voto”, uma vez que permite aos acionistas com uma participação pequena no capital deter o controle da empresa.

Com esse novo mecanismo, os acionistas fundadores poderão manter o controle do negócio mesmo após captação de recursos ou abertura de capital na bolsa de valores, tornando a bolsa de valores brasileira mais atrativa às empresas que pretendem abrir seu capital.

Quem pode: Sociedades anônimas fechadas ou sociedades anônimas abertas, desde que a criação da classe ocorra previamente à negociação de quaisquer ações ou valores mobiliários conversíveis em ações de sua emissão em mercados organizados de valores mobiliários.

O voto plural não será aplicável para sociedades estatais, sociedades de economia mista ou controladas direta ou indiretamente pelo poder público.

Aprovação: Metade, no mínimo, dos acionistas detentores de ações ordinárias deve concordar, e da mesma forma os acionistas preferencialistas, se houver.

No entanto, pode o Estatuto prever quórum maior para aprovação do voto plural.

O acionista dissidente poderá exercer seu direito de retirada com reembolso de suas ações nos termos do art. 45 da Lei das S/A.

Prazo: Até 7 anos, podendo ser prorrogado, desde que aprovado em AGE, em que o acionista que detém o voto plural não poderá participar da votação.

Transferência das Ações: A transferência por alienação, doação, ou qualquer outro título, não conferirá ao novo titular o direito de voto plural, salvo nos casos em que o alienante permanecer indiretamente como único titular de tais ações; ou o terceiro adquirente for titular da mesma classe de ações com voto plural; ou a transferência ocorrer no regime de titularidade fiduciária para fins de constituição do depósito centralizado; ou  caso o acordo de acionista disponha sobre o exercício conjunto do direito de voto.

Restrição do Voto: O voto plural não será utilizado nas assembleias que deliberarem sobre remuneração de administradores e a celebração de transação com partes relacionadas.

b) Competência Assembleia Geral

No art. 122 da Lei de Ambiente de Negócios foram incluídos os seguintes dispositivos como sendo de competência privativa da Assembleia Geral:

(i) deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar as suas contas;

(ii) autorizar os administradores a confessar falência e a pedir recuperação judicial; e

(iii) deliberar, quando se tratar de companhias abertas, sobre a celebração de transações com partes relacionadas, a alienação ou a contribuição para outra empresa de ativos, caso o valor da operação corresponda a mais de 50% (cinquenta por cento) do valor dos ativos totais da companhia constantes do último balanço aprovado.

Em caso de urgência, a confissão de falência ou o pedido de recuperação judicial poderá ser formulado pelos administradores, com a concordância do acionista controlador, se houver, hipótese em que a assembleia geral será convocada imediatamente para deliberar sobre a matéria.

c) Convocação AG para Companhia Aberta

Foi alterado o prazo de convocação para as Assembleias Gerais em companhias aberta, que passa a ser de 21 (vinte e um) dias de antecedência, e a segunda convocação com 8 (oito) dias de antecedência.

d) Instalação da Assembleia

A Lei das S/A previa em seus artigos 125, 135 e 136 que a instalação da assembleia, a aprovação da reforma do estatuto da Companhia, e deliberações com quórum qualificado deveriam ser realizadas com, no mínimo, ¼, 2/3 ou ½, respectivamente, do capital social da Companhia.

A Lei de Ambiente de Negócios alterou o texto dos artigos supracitados de forma que sejam considerados para cômputo dos quóruns acima, o número de votos, e não o capital social, ao fim de compatibilizá-los com a nova regra do voto plural.

e) Acumulação de Cargos de Direção na Companhia Aberta

Nas Companhias Abertas os cargos de Presidente do Conselho de Administração e Diretor Presidente ou principal executivo da Companhia, não poderão mais ser acumulados.

Exceção: A Comissão de Valores Mobiliários poderá editar ato normativo que excepcione as companhias de menor porte previstas no art. 294-B desta Lei da vedação de que trata o § 3º deste artigo.

Essa regra entrará em vigor somente 360 dias após a data da publicação da Lei de Ambiente de Negócios.

f) Composição do Conselho de Administração

Na composição do conselho de administração das companhias abertas, é obrigatória a participação de conselheiros independentes, nos termos e nos prazos definidos pela Comissão de Valores Mobiliários.

g) Voto Múltiplo para Eleição dos Conselheiros

Independentemente de previsão estatutária, o acionista que tiver, no mínimo, 10% do capital social da Companhia com direito a voto, poderá requerer o voto múltiplo, sendo que o número de votos de cada ação (adequação da lei em razão do voto plural) será multiplicado pelo número de cargos, como exemplificado abaixo:

h) Eleição de Administrador Residente no Exterior

Outra mudança importante trazida pela Lei de Ambiente de Negócios foi que as companhias poderão ser administradas (cargos de Conselho ou Diretoria) por quaisquer pessoas naturais, sejam brasileiras ou estrangeiras, desde que a posse de administrador residente ou domiciliado no exterior seja condicionada à constituição de representante residente no País, com poderes para, até, no mínimo, 3 (três) anos após o término do prazo de gestão do administrador, receber:

I – citações em ações contra ele propostas com base na legislação societária; e

II – citações e intimações em processos administrativos instaurados pela Comissão de Valores Mobiliários, no caso de exercício de cargo de administração em companhia aberta.

Trata-se de inovação importante, pois os cargos de Diretoria somente podiam ser ocupados por pessoas naturais residentes no Brasil.

3 – DA DESBUROCRATIZAÇÃO EMPRESARIAL

O capítulo sobre a desburocratização trouxe três novidades para as empresas, das quais:

a) Transformação da Eireli

Muitos doutrinadores e professores previam que a Eireli sofria um grande risco de extinção, tendo em vista a criação da Sociedade Limitada Unipessoal, tornando a Eireli um tipo jurídico defasado. E não foi diferente. Com a sanção da Lei de Ambiente de Negócios, todas as Eirelis serão transformadas automaticamente em Sociedade Unipessoal, cabendo ao empresário comunicar aos demais órgãos e instituições sobre a transformação, mediante apresentação da ficha cadastral da Sociedade.

b) Assembleia a Distância

Embora já utilizado por muitas empresas em razão da pandemia da COVID-19 que assola o Brasil desde 2020, agora as empresas poderão, com amparo legal, realizar suas assembleias de forma eletrônica, independentemente de caso fortuito ou força maior.

c) Estabelecimento Virtual

Ainda sobre as mudanças advindas da pandemia, outra novidade foi sobre o estabelecimento, que poderá ter endereço distinto do local onde as atividades das empresas serão exercidas, podendo ser físico ou virtual, sendo que o exercício poderá se dar no endereço do empresário individual ou de um dos sócios da sociedade empresária.

4 – DA NOTA COMERCIAL

A Nota Comercial é um título de crédito, não conversível em ações, de livre negociação, representando a promessa de pagamento em dinheiro. Com a Lei de Ambiente de Negócios, a Nota Comercial poderá ser emitida também pelas Sociedades Limitadas e Cooperativas.

Competência de emissão: órgãos de administração, quando houver, ou do administrador do emissor, observado o que dispuser a respeito o respectivo ato constitutivo.

A alteração das características dependerá de aprovação da maioria simples dos titulares de notas comerciais em circulação, presentes em assembleia, se maior quórum não for estabelecido no termo de emissão.

5 – LIVROS SOCIETÁRIOS

A Lei de Ambiente de Negócios previu a escrituração de livros societários de forma digital para Sociedades Anônimas, Sociedades Limitadas e Cooperativas.

A Junta Comercial do Estado de São Paulo já possui sistema implementado para registro de tais livros.

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Roberto Cunha