Covid-19 e a força maior, onerosidade excessiva nos contratos e a necessária boa-fé

O atual cenário de incertezas diante da propagação do Covid-19 traz inúmeros questionamentos sobre os cuidados com a saúde, prevenção, combate à disseminação do vírus, além de perguntas a respeito do cenário econômico e jurídico. Nos últimos dias foram publicados decretos suspendendo o atendimento presencial ao público em estabelecimentos comerciais e ontem, 24 de março de 2020, começou a valer a quarentena decretada no Estado de São Paulo pelo Governador João Dória (Decreto n. 64.881). 

Com o isolamento e a incerteza no cenário econômico, surgem as dificuldades para o cumprimento dos contratos anteriormente firmados e a dúvida em relação a possibilidade de alegação de força maior ou onerosidade excessiva diante dos obstáculos para honrar com os compromissos já pactuados.

Nesse contexto, é muito importante expor como a força maior e a onerosidade excessiva são tratadas pelo ordenamento jurídico, porém, é igualmente fundamental, discorrer sobre como esses institutos funcionam na prática e as consequências de sua aplicação generalizada, como ocorreu na China. 

O que prevê a legislação?

A legislação brasileira prevê expressamente o instituto da força maior em seu artigo 393 do Código Civil e dispõe que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes da força maior “se expressamente não se houver por eles responsabilizado”, acrescentando que há necessidade de imprevisibilidade de seus efeitos.

É de se observar que o ordenamento jurídico brasileiro, diferentemente de outros países, traz em sua legislação a hipótese da força maior, porém ressalva a responsabilização expressa pelo devedor. Daí a importância da análise de cada caso a fim de verificar as cláusulas contidas no contrato e a extensão da responsabilidade assumida.

Importante destacar, ainda, a necessária imprevisibilidade do acontecimento que acomete de surpresa tanto o devedor quanto o credor para se levantar a hipótese de alegação de força maior.

Onerosidade excessiva

O mesmo ocorre em relação à onerosidade excessiva, prevista no artigo 478 do Código Civil, a qual trata de contratos continuados que se tornam excessivamente onerosos para uma das partes em virtude de fato imprevisível, cabendo a resolução do contrato.  

Nesse sentido, partindo-se simplesmente da legislação, verifica-se que o atual cenário decorre de fato imprevisível e que acometeu todos de surpresa, sendo, aparentemente, possível a alegação de força maior e onerosidade excessiva.

Entretanto, os tribunais brasileiros já enfrentaram questões semelhantes na época da epidemia de H1N1 (abril de 2009) e deixaram claro que deve ser provada a relação exata entre o fato imprevisto ocorrido, de forma real e não genérica, e a impossibilidade de cumprir o contrato.

Na apelação n° 1.092.777-2 julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por exemplo, foi alegado que a crise de 2008 cumulada com a epidemia de H1N1 acarretou o inadimplemento contratual e a onerosidade excessiva. Todavia, a decisão unânime foi no sentido de que tais fatos não isentam o devedor de cumprir o contrato.

Da mesma forma, foi julgada apelação n. 2011.008660-2 (Tribunal de Justiça de Santa Catarina), na qual restou decidido que os Apelantes não comprovaram os problemas financeiros que tiveram em decorrência da influenza H1N1, não justificando a falta de pontualidade no cumprimento do contrato.

Discussões judiciais

Extrai-se dos julgados acima que é necessária a prova da estrita relação entre o fato que ocasionou a onerosidade excessiva e a força maior, sem alegações genéricas, bem como a análise caso a caso.

Aparentemente, o surto da influenza H1N1 foi menos severo do que o atual, porém, apesar de tal fato, é importante ressaltar sobre a necessidade de cumprimento dos contratos para o benefício da economia, continuidade e manutenção dos empregos, devendo ser alegada a força maior e onerosidade excessiva dos contratos em casos extremos.

A China, consoante reportagem do jornal Valor Econômico, concedeu “certificado de força maior” a aproximadamente 100 (cem) empresas, permitindo que estas deixem de entregar produtos, cumprir prazos, pagar faturas, entre outros pontos. Tal fato gera consequências econômicas e jurídicas em todo o mundo e pode alastrar a crise econômica que inevitavelmente ocorrerá.

Resta saber como se comportará o Governo e o Poder Judiciário Brasileiro, sabendo que a nossa legislação prevê expressamente as hipóteses de força maior e onerosidade excessiva do contrato. 

Nesse momento, é importante aprender com todo o ocorrido e conferir especial atenção às cláusulas contratuais que tratam da responsabilidade em casos imprevisíveis e da continuidade do pactuado nessas hipóteses para evitar o conflito e as discussões judiciais.      

Portanto, há previsão genérica da possibilidade de alegação de força maior e onerosidade excessiva em nossa legislação – diferentemente de outros países -, porém deve-se analisar cada caso em específico e provar a relação direta entre o fato imprevisto e a necessidade de descumprir o contrato. Lembrando-se sempre da importância da boa-fé de todos nesse momento e da conjunção de esforços para superar a epidemia e a crise econômica.

 “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

 TJ-PR – APL: 10927772 PR 1092777-2 (Acórdão), Relator: Vilma Régia Ramos de Rezende, Data de Julgamento: 22/04/2015, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1572 26/05/2015

TJ-SC – AC: 86602 SC 2011.008660-2, Relator: Luiz Fernando Boller, Data de Julgamento: 24/08/2011, Quarta Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Balneário Camboriú

Referências: Valor Globo

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Roberto Cunha