Cobrança de condomínio antes da entrega das chaves – julgados que entendem pela possibilidade de cobrança

Discute-se muito sobre a possibilidade de cobrança das despesas condominiais antes da entrega das chaves do imóvel, diante das divergências em jurisprudência sobre o assunto. Necessário considerar ainda que muitos casos são particulares e variam de decisão conforme elementos específicos, os quais devem ser levados em conta para um melhor entendimento da situação fática e dos motivos que ensejaram a devida cobrança das despesas do condomínio.

 

Recentes entendimentos do Tribunal de Justiça de São Paulo possibilitaram a cobrança de taxas condominiais e demais despesas inerentes ao imóvel, diante de ações exclusivas do comprador que causaram atraso na imissão da posse. Desse modo, não há o que falar em culpa do alienante e impossibilidade de cobrança das obrigações do comprador, tendo em vista que o atraso do adimplemento dos deveres deste, que culminou na não entrega das chaves, não afasta a responsabilidade do adquirente.

 

Nesse sentido está o julgado do TJSP, abaixo transcrito, da 8ª Câmara de Direito Privado e de relatoria do Desembargador Salles Rossi, do ano de 2017.

 

DEVOLUÇÃO DE VALORES. Improcedência – Compra e venda de imóvel – Corretagem Tese firmada em regime de recurso repetitivo – Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. Caso dos autos em que foi observado o respeito ao direito de informação imposto ao fornecedor. DEVOLUÇÃO INDEVIDA. TAXAS CONDOMINIAIS COBRADAS ANTES DA IMISSÃO DOS AUTORES NA POSSE DO BEM. INEXISTÊNCIA DE ATRASO NA OBRA. DEMORA NA IMISSÃO DECORRENTE DA NÃO APROVAÇÃO DO PRIMEIRO FINANCIAMENTO. RESPONSABILIDADE DOS AUTORES NA OBTENÇÃO DE CRÉDITO – AUSÊNCIA DE FATO QUE POSSA SER ATRIBUÍDO ÀS ALIENANTES. DEVOLUÇÃO, NO CASO, INDEVIDA SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (…) CASO A DEMORA NA IMISSÃO DOS AUTORES FOSSE POR CONTA DE ATRASO NA OBRA OU PROBLEMAS COM A DOCUMENTAÇÃO DA RÉ, AÍ SIM PLENAMENTE CABÍVEL QUE A RESPONSABILIDADE DAS TAXAS CONDOMINIAIS RECAÍSSE SOBRE AS ALIENANTES. O CASO, TODAVIA, APRESENTA OUTROS CONTORNOS, SENDO INDEVIDA A RESTITUIÇÃO PRETENDIDA PELOS AUTORES. À VISTA DO EXPOSTO, PELO MEU VOTO, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO. (g.n.)(TJSP, Apelação nº. 1119496-75.2015.8.26.0100, 8ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Salles Rossi, julgado em 26.09.2017.)

 

DO INADIMPLEMENTO DO COMPRADOR

 

Salienta-se que a entrega das chaves ao comprador, entendido como a plena disponibilização do imóvel para o uso também, pressupõe que o adquirente adimpliu com suas obrigações, quitando todos os valores referentes a compra do bem imóvel e demais despesas necessárias à transmissão da posse. Nesse sentido, havendo inadimplemento do comprador, este se responsabiliza diante dos débitos, inclusive aqueles que vierem a ser cobrados posteriormente, como as despesas condominiais, além dos juros, mora e demais penalidades. Entende-se dessa forma conforme decisão da 7ª turma Cível do Colégio Recursal Central da Capital de São Paulo, o qual entendeu pela mora exclusiva do adquirente, diante do atraso no pagamento de suas obrigações.

 

Consumidor. Imóvel na planta. Despesas Condominiais. Entrega da chave. Os precedentes do C. STJ acerca da exigibilidade da taxa de condomínio surgir com a entrega das chaves pressupõem a quitação por parte do comprador. Inadimplente o comprador, e estando disponível o imóvel à imissão, a mora é exclusiva daquele, respondendo pelos ônus decorrentes, inclusive as despesas condominiais. Recurso provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado Cível nº 1012811-63.2019.8.26.0016, da Comarca de São Paulo, em que é ———-, é recorrido ——————————. ACORDAM, em Sétima Turma Cível do Colégio Recursal Central da Capital, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos MM. Juízes DANIEL OVALLE DA SILVA SOUZA (Presidente), CHRISTOPHER ALEXANDER ROISIN E LUCIANA NOVAKOSKI FERREIRA ALVES DE OLIVEIRA. (Recurso Inominado 1012811-63.2019.9.8.26.0016. 7ª turma Cível do Colégio Recursal Central da Capital. Juiz Relator Daniel Ovalle da Silva Souza. DJe 12/3/21).

 

No mesmo sentido e citando outro entendimento jurisprudencial:

 

APELAÇÃO. Compra e venda de bem imóvel. Pedido dos adquirentes do bem pela condenação dos vendedores em multa contratual, danos materiais e morais. Sentença de improcedência. Inconformismo da parte autora. Atraso na entrega das chaves. Utilização do período de tolerância sem justificativa. Aplicação de multa contratual de 10% (dez por cento) do valor do contrato, ainda que inexista tal disposição em favor dos compradores, com fundamento no equilíbrio contratual. Taxas condominiais pagas antes da imissão na posse que devem ser restituídas. Danos morais. Não provimento. Validade da clausula de tolerância. Súmula nº. 164 desta C. Corte. Compradores que não adimpliram com sua obrigação contratual, obtendo o financiamento imobiliário de forma tardia para além do prazo de entrega do bem. Retenção das chaves justificável ante o não pagamento do preço. Encargos condominiais que recaem sobre os compradores, tendo em vista que a não imissão na posse é de sua responsabilidade exclusiva. Ausência de dano moral indenizável ante a inexistência de conduta ilícita. Sentença mantida. Recurso não provido. (Apelação n. 1031723-76.2017.8.26.0405, 9ª Câmara de Direito Privada, Rel. Des. Rogério Murillo Pereira Cimino, j. 03 de agosto de 2020).

 

Ademais, o Código Civil preceitua ainda que a cobrança pelo adimplemento da outra parte não pode ocorrer enquanto sua prestação não é de fato cumprida, conforme redação do artigo 476 transcrita abaixo:

 

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

 

O princípio da exceptio non adimpleti contractu, ou apenas exceção do contrato não cumprido, se insere no presente caso na medida em que havendo inadimplemento da parte contrária, nesse caso o adquirente da unidade, a incorporadora poderia se valer do princípio, podendo se escusar de entregar as chaves, por exemplo, diante do não cumprimento da prestação.

 

DESSE MODO, ESTANDO CUMPRIDAS AS OBRIGAÇÕES DO ALIENANTE, COMO ENTREGA DO IMÓVEL NO PRAZO JÁ PREDETERMINADO E DE CONHECIMENTO DA OUTRA PARTE, EXPEDIÇÃO DO “HABITE-SE”, DOCUMENTO QUE COMPROVA A CONSTRUÇÃO DO EMPREENDIMENTO EM ACORDO COM AS NORMAS DA PREFEITURA LOCAL, INSTAURAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DE CONDOMÍNIO, ASSIM COMO A DISPONIBILIZAÇÃO DA CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO, O ADQUIRENTE SE SUJEITA ÀS OBRIGAÇÕES EXPRESSAS E DE CIÊNCIA DESTE, NÃO PODENDO SE PROTEGER POR UM POSSÍVEL ATRASO NA ENTREGA DAS CHAVES, QUANDO ESTE MESMO NÃO CUMPRIU COM SEUS DEVERES.

 

Ademais, verifica-se ainda, conforme entendimento jurisprudencial abaixo mencionado, que o imóvel já fica disponível para o comprador no momento em que as obras são concluídas, situação que ensejaria a possibilidade de cobrança das despesas do condomínio.

 

Certo que os promissários compradores não chegaram a se imitir na posse da unidade objeto do contrato. Mas é inegável que o imóvel já se encontrava disponível para entrega ao menos desde a instalação do condomínio, em março de 2016 (fls. 184), e que os promissários foram notificados em maio de 2016 para o pagamento do saldo devedor (fls. 166/170). Por outro lado, somente em outubro de 2016 os autores notificaram efetivamente a ré sobre o propósito de rescindir a avença (fls. 75). (…) Nesta Câmara, ao ser apreciada hipótese semelhante, assentou-se que são exigíveis as verbas condominiais quando a obra já foi concluída, estando a unidade à disposição do promissário comprador, que responde por elas até que a unidade seja colocada à disponibilidade da promitente vendedora. (TJSP, Apel. nº. 1045648-76.2016.8.26.0114, 1ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Augusto Rezende, j. 18.01.2018)

 

CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO: ATO NORMATIVO ENTRE AS PARTES

 

Necessário evidenciar a importância da convenção de condomínio, instrumento essencial em uma incorporação e aos adquirentes dos imóveis, tendo em vista sua natureza de ato normativo entre os condôminos. O Código Civil determina em seu artigo 1.334, inciso I, que o documento irá determinar o modo de pagamento e o valor quantitativo das contribuições dos condôminos, atendendo não apenas às despesas ordinárias, mas também aquelas de natureza extraordinária. Ademais, deverá ser tratado das penalidades aplicadas nos casos em que há inadimplência exatamente dessas obrigações, conforme inciso IV do mesmo artigo.

 

O artigo mencionado é claro ao preconizar que a convenção de condomínio versa sobre a cobrança das taxas condominiais e em conjunto com o artigo 1.333, torna-se obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, criando direitos e deveres dos condôminos entre si e perante terceiros.

 

Destaca-se o fato de que tanto este instrumento como o contrato de compra e venda entre a incorporadora e o adquirente são feitos com base na livre manifestação das partes e concordância destas em concretizar o negócio, estando este último sujeito ciente de todas as cláusulas e deveres, se obrigando no momento em que concorda com os termos.

 

Entre os deveres do condômino, destaca-se aquele preceituado no artigo 1.336, inciso I, do mesmo diploma já mencionado, no caso sendo a obrigação de contribuir com as despesas do condomínio, calculada com base nas frações ideais do imóvel ou caso a convenção entenda de modo diverso. Abordando novamente as penalidades do comprador, o parágrafo 1º, do mesmo artigo, estabelece que o “condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito”.

 

Desse modo, torna-se evidente a importância da convenção de condomínio, diante dos temas abordados nesse instrumento, o peso normativo que exerce entre os condomínios e eventuais terceiros que se insiram na relação, não podendo ser desconsiderada e descumprida pelas partes.

 

Portanto, conforme supramencionado, entendimentos jurisprudenciais recentes começam a timidamente ganhar espaço dentre as demais decisões, de modo a entender os diferentes casos possíveis nesse mesmo contexto e atribuir eventuais responsabilidades aos promitentes compradores, que não podem se eximir de suas obrigações, tendo em vista o próprio descumprimento destes perante os deveres estabelecidos não apenas nos contratos entre as partes, mas também na convenção de condomínio e em jurisprudências favoráveis às cobranças das despesas condominiais antes da entrega das chaves.

 

A equipe de Direito Imobiliário do Corelaw está à sua disposição para solucionar os desafios enfrentados pelo seu negócio na área de Imobiliário, com soluções práticas e inteligentes.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

3 × 2 =

Este site é protegido por reCAPTCHA. A Política de Privacidade e os Termos de Serviço do Google são aplicáveis.

Roberto Cunha